Dona Michie Akama, uma trajetória de ideais e conquistas

Ela criou uma escola de corte e costura nos anos 30, trouxe livros didáticos do Japão para utilizar em sua instituição no Brasil, trouxe o ensino médio japonês para São Paulo e fundou o Centro Educacional Pioneiro já aos 68 anos. Conheça a história de Dona Michie Akama, que abriu mão de tudo o que possuía para tornar realidade o sonho da educação.

No Japão

Michie nasceu em 18 de setembro de 1903 na província de Miyagui, no Japão, filha do senhor Nenosuke Ota e de Dona Tsuji Ota. Formou-se em 1922 na então Escola Técnica Feminina Watanabe de Tóquio (atual Tokyo Kasei University) e lecionou por cinco anos na antiga Escola Profissional da cidade de Sendai, atual Universidade Mishima. Ela veio para o Brasil em 1930, no navio Montevideo Maru, desembarcando em Santos com o marido Juiji Akama, pesquisador formado em Oceanografia pela Universidade Imperial de Hokkaido e também professor. Ao se despedir de suas alunas no Japão, Dona Michie disse “daqui a 10 anos estaremos de volta”, esperando retornar ao Japão após um tempo na América do Sul. Mas a história não foi bem assim.

No Brasil

Inicialmente, Juiji Akama tinha intenção de trabalhar com a pesca marítima por aqui, mas se deparou com restrições quanto ao trabalho de imigrantes nessa atividade. O casal, então, foi trabalhar em uma fazenda de café na cidade de Cafelândia para ganhar dinheiro. No ano seguinte, Juiji foi convidado a lecionar em uma escola da colônia japonesa em Registro e se comoveu com a precariedade da formação das jovens, que trabalhavam dia e noite e não conseguiam estudar. Não havia escolas adequadas nem suficientes para os imigrantes, e foi então que os Akamas decidiram montar uma escola de formação para moças nos moldes da Escola Mishima, onde Dona Michie lecionava no Japão, aproveitando os conhecimentos adquiridos na terra natal. Por isso, em fevereiro de 1932, Michie se matriculou em uma escola de corte e costura e no mesmo ano obteve a habilitação para magistério de ensino profissionalizante, necessária legalmente para dar aulas no Brasil. Até que, em 1933, eles abriram a Escola de Corte e Costura e Língua Japonesa em São Paulo (São Paulo Saihou Jogakuin), em uma travessa da rua São Paulo, no bairro da Liberdade. A entidade funcionava como um internato para moças. Elas tinham aulas de corte e costura, culinária, língua japonesa, trabalhos manuais etc.

Mudanças

Em 1935, Dona Michie e seu marido inauguraram na escola um curso de língua japonesa de nível médio, para dar à colônia local a oportunidade da educação formal das escolas japonesas. Inicialmente importaram do Japão material didático equivalente ao utilizado lá, e depois trouxeram também professores de formação universitária para lecionarem no Brasil. Além disso, estavam inclusas no programa de ensino atividades artístico-culturais como música, pintura, tanka (poesia japonesa) etc.; e aulas práticas de culinária, ensinando o processo de preparo de conservas e tratamento de produtos alimentícios naturais, dando oportunidade para as alunas ajudarem na renda doméstica. Foi nesse período também que se adequou o currículo para atender às exigências dos Exames de Habilitação do Magistério Profissional de Corte e Costura. Cerca de 40 jovens eram aprovadas, por ano, obtendo o diploma para que pudessem lecionar Corte e Costura em cidades mais afastadas para aquelas que não conseguiam se deslocar até São Paulo. “Foi inestimável a consequência que tudo isso trouxe no sentido de animar pacatas cidades do interior proporcionando estímulos e esperanças às jovens ao iniciar a vida”, escreveu Dona Michie em carta. Em 1939, Dona Michie e seu único filho, Antonio, foram ao Japão para realizar estudos pedagógicos, e Juiji Akama faleceu de forma repentina no Brasil enquanto eles estavam fora. Apesar de os familiares aconselharem Dona Michie a ficar no Japão, ela retornou ao Brasil por querer dar continuidade ao seu trabalho com as alunas e ajudá-las a ter uma vida melhor. Ao final da 2ª Guerra Mundial, o interesse da escola se voltou para as possibilidades de integrar os jovens à sociedade brasileira. Por isso, Dona Michie decidiu incorporar à grade matérias oficiais do ensino médio brasileiro, como português, latim, francês e inglês. Para isso, contratou professores com formação universitária no Brasil. Dessa maneira, suas alunas sairiam da escola sentindo-se parte da sociedade brasileira e sem o sentimento de inferioridade, já que dominavam também a língua portuguesa, atuando posteriormente em diversas áreas como bancos e empresas. .

A FUNDAÇÃO

Dona Michie se naturalizou brasileira na década de 50 para se dedicar à formação de jovens brasileiros. Em 1959, oficializou a Fundação Instituto Educacional Dona Michie Akama, doando todos os seus bens para a entidade por entender que a escola não pertencia a ela, mas à comunidade.

Ela também abriu mão de tudo o que tinha para assegurar que seu sonho de construir e manter uma escola não fosse perdido após uma ou duas gerações. “[Uma Fundação] não é uma organização particular onde as questões se limitam ao âmbito familiar, dos filhos ou netos. É uma organização que será assumida e conduzida por membros capacitados”, escreveu. O objetivo era “abrir novas possibilidades para que pudesse ser realizada uma educação ideal e uma administração perfeita e, ao mesmo tempo, assegurar à escola uma existência permanente”. 

E foi assim que, em 1971, viabilizou-se a construção do Centro Educacional Pioneiro na Avenida Doutor Altino Arantes, em São Paulo. Não era mais um internato para moças, mas uma escola de ensino básico aberto à toda a comunidade e mantido pela Fundação. Em 2001, a fundadora do Pioneiro viu mais um sonho se realizar com a implementação do Ensino Médio no colégio.

Dona Michie foi presidente da Fundação até 2004. Ela faleceu no ano seguinte, com quase 102 anos.

Linha do tempo

1930

Chegada de Dona Michie ao Brasil, com o marido Juiji

1959

Criação da Fundação Instituto Educacional Dona Michie Akama

2005

Falecimento de Dona Michie Akama

2016

Início dos cursos extras na Unidade II

1933

Fundação da Escola de Corte e Costura de São Paulo (São Paulo Saiho Jogakuin)

1971

Inauguração do Centro Educacional Pioneiro

2014

Homenagem na Praça Dona Michie Akama

2018

Elaboração do Projeto Político Pedagógico

Homenagens

1967

Comenda José Bonifácio, pela Sociedade Brasileira de Heráldica e Medalística

1973

Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo, concedidos pela Câmara Municipal de São Paulo, como reconhecimento pelo seu trabalho pelo município

1974

Condecorada pelo imperador Hiroito com a Ordem do Tesouro Sagrado (Zuihoushou) de 5º Grau, no Japão

1977

Medalha Ana Neri, da Sociedade Brasileira de Educação e Integração

1983

Comenda Ordem do Ipiranga, honraria mais elevada concedida pelo governo do Estado de São Paulo aos cidadãos brasileiros e estrangeiros por seus serviços aos paulistas

2001

Homenageada pela Universidade de São Paulo (USP) no encerramento das comemorações do 90º aniversário da imigração japonesa no Brasil